Gastroenterologista alerta sobre importância do diagnóstico precoce de câncer de intestino
O Brasil deve registrar, neste ano, mais de 45 mil casos de câncer de intestino, segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Este já é o terceiro tipo de câncer mais frequente no país, sem considerar os tumores de pele não melanoma. Tendo em vista a alta prevalência dessa enfermidade, a Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (Sobed), a Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SB) e a Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) instituíram a campanha do Março Azul Marinho, para alertar a população sobre os riscos da doença e incentivar a prevenção.
A doença foi tema do quadro Hábitos Saudáveis, da Verde Vale FM 94.1, com a participação do gastroenterologista Ricardo Monte Junior.
Confira:
Jornal O Comércio (JOC): Dr. Ricardo, quais são as melhores formas de se prevenir tumores intestinais?
Ricardo Monte Junior (RMJ): O câncer de intestino é possivelmente o segundo em incidência no homem e na mulher, mas é o terceiro que mais acaba evoluindo com fatalidades e com óbito. É um tumor que vem em ascendência nos últimos anos. Talvez tenha muita relação com hábitos de vida. E, como a gente já sabe, é um dos tumores que existe um rastreamento que, além de você conseguir fazer um diagnóstico precoce, você muitas vezes pode usar como prevenção, porque o tumor do intestino normalmente cresce de lesões menores, que são os pólipos. Então, você fazendo um exame de rastreamento, a colonoscopia acaba sendo um exame também preventivo.
O que a gente pode pensar como prevenção antes de aparecer as lesões? Vou citar três medidas bem importantes para tentar prevenir o aparecimento de lesões intestinais. A primeira delas é manter uma boa ingestão de fibra na alimentação, fazendo nutrir as bactérias boas do intestino, fazendo o intestino funcionar de uma forma um pouquinho mais regular. São as frutas, verduras e grãos integrais.
Segunda medida: evitar alimentos ultraprocessados e evitar também os embutidos, que é uma coisa que é muito prevalente na nossa dieta. Presunto, salsicha, linguiça, que são alimentos que têm muito nitrato e nitrito, o que acaba sendo convertido pelas bactérias e também podem ser um fator carcinogênico.
E a terceira medida é o controle do peso e a atividade física. É até meio redundante, porque sempre acaba girando, girando e caindo na mesma história. Boa alimentação, exercício físico e cuidados com o peso.
JOC: Quais são os alimentos rico em fibras?
RMJ: Aveia, granola, feijão, lentilha, ervilha. Frutas em geral, mamão, abacate, melão, melancia. Tem frutas com um pouco mais de teor de fibra, outras menores. Basicamente são esses os alimentos que têm um bom teor de fibra. Há recomendação para a ingestão de mais ou menos 30 gramas de fibra ao dia. E os últimos estudos que têm saído na literatura mostram que a dieta habitual americana, que talvez que ela seja parecida com a nossa, a ingestão média tem sido de metade disso, cerca de 14 gramas. Talvez isso também possa ter relação com cada vez mais o aumento da incidência do câncer de intestino.
JOC: Descobrir o câncer precocemente aumenta as chances de cura?
RMJ: A ideia do câncer de intestino é você fazer um diagnóstico antes de aparecerem sintomas. É importante pensar que o intestino é um órgão tubular. Para que dê sintoma, tem que ter uma lesão maior. As fezes am com facilidade no intestino. Para começar a dar sintoma, tem que ter uma lesão que, ou está obstruindo, ou as fezes estão batendo ali e fazendo sangrar.
Os sintomas em geral do câncer de intestino acabam sendo emagrecimento, sangramento, mudança do padrão intestinal, anemia. Quando tem sintoma, possivelmente é um diagnóstico mais tardio. A ideia para um diagnóstico mais precoce é você lançar a mão dos rastreamentos. E como que a gente faz o rastreamento? Colonoscopia e exame de sangue oculto a partir dos 45 anos na população em geral.
JOC: A colonoscopia é o exame mais indicado para o diagnóstico precoce?
RMJ: A colonscopia é um exame endoscópico, aonde tem um aparelho com uma câmerazinha na ponta, e você consegue introduzir via canal anal e enxergar todo o cólon, indo até o cólon direito, e é um exame que avalia muito bem o revestimento. É o melhor exame que tem para diagnóstico de câncer de lesões intestinais. A tomografia e a ressonância podem ajudar, mas normalmente faz diagnóstico de lesões maiores. E para fazer biópsia, que confirma a existência dos tumores, você necessita fazer o exame da colonoscopia para coletar amostras para enviar para o patologista, que fecha o diagnóstico.
JOC: O histórico familiar, no caso do câncer de intestino, também é um risco?
RMJ: Também é um risco, mas vamos lá entender melhor o que é esse fator de risco familiar. A gente considera um fator de risco familiar quando tem alguém com alguma lesão, um câncer de intestino com idade menor que 60 anos. Então, normalmente nesse tipo de situação, a gente diminui 10 anos do caso índice e começa a colonoscopia naquele intervalo. Só que se esse intervalo bater com a idade maior que 45, começa com 45 anos. Existem algumas sociedades da gastro, da endoscopia, que acabam sugerindo que quando o paciente também tem histórico de algum familiar com um pólipo avançado, que são os pólipos maiores que 1 centímetro, que tem displasia alto grau, ou que tem uma histologia desfavorável que são os adenomas vilosos, e que também podem ser um fator de risco, que deve-se diminuir dez anos do caso índice desse paciente que teve a lesão para começar a endoscopia nos familiares.
JOC: É preciso fazer colonoscopia anualmente?
RMJ: É uma dúvida de muita gente. Antigamente havia essa filosofia de fazer colonoscopia todo ano, mas não. A ideia ainda não é essa. A colonoscopia, quando bem realizada, que foi efetiva, que chegou até o final, que conseguiu examinar com calma, sem lesão, documenta-se que pode se repetir em até dez anos. Se tiver algum pólipo, ou lesão, você retira a lesão e conforme a histologia, o achado da biópsia desse pólipo, vai definir o intervalo. Aí ele vai depender. Se for um pólipo mais avançado, com displasia de alto grau, repete-se em dois anos, três anos. Se forem pólipos pequenininhos, repete-se em até sete anos. Então depende muito. Mas é raro ter que fazer colonoscopia anual.
A gente faz a colonoscopia anual quando tem um tumor do intestino que foi tratado, que daí vale a pena repetir em um ano. Quando o exame não for efetivo, que acabar não sendo considerado como exame adequado, tem que repetir. Quando se tira uma lesão maior que 2,5 centímetros, já existe essa possibilidade de tirar lesões maiores pela colonoscopia, daí também vale a pena repetir o exame antes. E quando você tira uma lesão maior em pedaços, que a gente fala que é um procedimento fatiado, aí vale a pena repetir a colonoscopia em seis meses. Mas são todas peculiaridades. E lembrando que rastreamento a gente faz em paciente que não tem sintoma. Quando aparecer algum sintoma tipo sangramento, uma diarréia que não e, muco nas fezes, você vai fazer colonoscopia por causa do sintoma e não para rastreamento de lesões.
JOC: Existem doenças intestinais que podem evoluir para câncer?
RMJ: Normalmente, das doenças inflamatórias intestinais, a que tem mais relação com aumento do risco de câncer é a retocolite ulcerativa. A doença de Crohn, se for uma doença de Crohn que estava inflamando o cólon, esse fato de ficar inflamando e desinflamando também pode aumentar o risco. Mas a gente vê um risco maior quando tem a retocolite ulcerativa, que é uma doença específica de reto e cólon. No paciente que tem retocolite ulcerativa, com uma extensão maior, depois de oito anos do início da doença, a gente começa a fazer colonoscopia de rastreamento a cada dois anos.