“Está na hora de começarmos a abrir novos horizontes”, diz vice-presidente do Cogemate
Criado em 2019, o Conselho Gestor da Erva-mate (Cogemate) tem como objetivo organizar a cadeia produtiva no Vale do Iguaçu. Neste ano, cidades da região de Irati também aram a fazer parte do grupo, que agora representa mais de 70% dos produtores do estado. O jornal O Comércio conversou com o vice-presidente da entidade, Naldo Vaz, a respeito do mercado da erva-mate no cenário atual.
Jornal O Comércio (JOC): O que é o Conselho Gestor da Erva-mate?
Naldo Vaz (NV): O Cogemate nasceu em 2019 com propósito de trabalharmos com políticas públicas. O foco nosso, do Conselho, que abrange os municípios aqui do Vale do Iguaçu, tem por único objetivo políticas públicas. A gente sempre está olhando para a cadeia produtiva no campo, na indústria, a gente também olha para a parte cultural, para a parte de pesquisa. Então tudo aquilo que a gente pode fazer para organizar junto com o governo estadual, municipal, em prol do setor, pensando na organização a médio ou longo prazo, é o trabalho que o Cogemate faz.
JOC: O Cogemate presta atendimento ao produtor? Qual é a atuação do conselho?
NV: O conselho agora ficou maior, porque a região da Amcespar, de Irati, se juntou recentemente através de uma negociata do Nei Kukla, que é o atual presidente. Hoje o conselho a a representar 73% da produção do estado do Paraná. A gente ficou com uma obrigação maior ainda em cima de políticas públicas. Tem um pessoal de Guarapuava que está fazendo um trabalho espetacular lá também. Resumindo, a gente está trabalhando em conjunto em políticas públicas. A gente opera questões de políticas públicas. A gente conversa com os prefeitos, a gente conversa com os vereadores, a gente conversa com os deputados, secretários, com o Governador. A gente não atende diretamente um produtor ou empresário. Mas se o produtor, o empresário, qualquer um que estiver ligado à cadeia produtora quiser nos procurar, a gente indica profissionais da necessidade que ele está precisando. Mas a função do conselho é justamente trabalhar só com políticas públicas.
JOC: Pouco após a criação do Cogemate, veio a pandemia. Isso atrapalhou a atuação do conselho?
NV: A pandemia atrapalhou um pouquinho na época, mas mais na questão de atuar fisicamente, né? Porque todo mundo tinha que ficar com aquele distanciamento, mas em nenhum momento o Cogemate parou de trabalhar na pandemia. Até porque os projetos que o Cogemate já tem em andamento, são projetos que não tem como parar. Posso dar o exemplo de dois grandes projetos que começaram há três, quatro anos, que são produtos biológicos que vão chegar a campo, porque hoje nós temos soluções para a pior praga na erva-mate que é a broca, o famoso Corintiano, que é um biológico chamado Bovemax. Mas, a gente também, em parceria com o Governo do Estado, conseguimos verba para desenvolver dois novos biológicos que é para a ampola e também para a lagarta e eles estão sendo desenvolvidos, então em breve vão chegar no campo. Tudo isso aconteceu desde que iniciou o Cogemate, durante a pandemia. E dentre outros projetos que estão acontecendo, mas tudo a médio e longo prazo. Nada é do dia para a noite o que o Cogemate faz.
JOC: Naldo, na sua visão, como está o mercado da erva-mate atualmente?
NV: Tem muita gente que esquece a evolução que o mate teve nos últimos 10 anos. Hoje nós estamos ando por um momento de mercado não muito propício para o produtor. Todos eles sabem disso. O preço não está atrativo. Mas eu gosto sempre de dizer que nada está atrativo ultimamente. Nem soja, nem milho, nem gado. Realmente, nós estamos ando por uma fase de baixos preços. Mas isso não quer dizer que o setor não está andando, ao contrário disso. Se todo mundo lembrar como o setor estava de 10 anos atrás para cá, a gente evoluiu muito. Diga-se de que essa agem de muita gente plantando erva, novas Indústrias aparecendo, aqui em União da Vitória foi construída uma das maiores fábricas do Brasil, dá para dizer que está entre as três mais tecnológicas. Então nada disso teria acontecido se a gente não tivesse evoluindo, né?
Essa questão de mercado eu sempre digo que quem demanda é a questão da lei da oferta. O momento não é só ruim para erva-mate, para tudo está meio complicado. Mas tem bons projetos andando, muita gente investindo no setor, as exportações estão indo bem. Não vou dizer para você que estamos em um nível glamouroso, mas está indo super bem. Acho que as pessoas não tem como reclamar. Eu sempre penso positivo. O setor está indo no caminho certo.
JOC: Em outubro o Cogemate participou do seminário Erva-mate XXI. Do que se tratou o evento?
NV: Em 2016 nós tivemos o Erva 20, que é por conta do projeto Erva 20, que muitos produtores já conhecem, que é para tentar chegar até 20 toneladas por hectares. É um projeto muito bacana da Embrapa. Aconteceu em 2016 e era para ter tido outro antes mas, infelizmente, por conta da pandemia, atrasou tudo. Agora eles lançaram o Erva 21. O evento aconteceu semana retrasada, na terça, quarta e quinta-feira. Foi muito interessante porque o Brasil inteiro estava presente, todo mundo, de todos os estados estavam presentes. Estavam produtores, empresários, pesquisadores. Todo mundo do setor estava lá. Tinha muita gente gabaritada. O pessoal do café estava lá, o pessoal do açaí estava lá pra explicar um pouquinho, pra poder ar para a gente o que eles aram para que a gente também possa evoluir como eles evoluíram. Foi um aprendizado magnífico e todo mundo saiu de lá satisfeito, todo mundo saiu com a bateria carregada para a gente dar mais um gás nos próximos 10 anos.
JOC: Você falou sobre novas tecnologias e a possibilidade de negócios. Às vezes o produtor não tem noção do que ele tem à disposição.
NV: Eu acho que o mais interessante do projeto, porque toda vez que a gente vai à eventos, se fala muito na questão do campo, manejo, produção, algo que foi falado lá também. Mas o interessante desse seminário (Erva 21) é que eles focam um pouco mais em novas formas de se utilizar a erva-mate. Então já tem novas genéticas de erva-mate desenvolvidas que foram apresentadas lá, coisas que muitos produtores não sabem, novas formas de produzir o mate. Então o bacana é que o foco não foi chimarrão. O foco foi linhas de bebidas. A gente viu muita coisa nova, a gente viu muita coisa diferente.
E aí os organizadores fizeram essa provocação de “ok, vamos ficar ainda no chimarrão? Tá aí toda a tecnologia disponível, só basta vocês pegarem essa tecnologia e começarem a utilizar no dia a dia”.
JOC: O que que mais chamou sua atenção no evento?
NV: O que mais me chamou atenção foram as bebidas energéticas. Porque lá fora, principalmente nos Estados Unidos, existe um consumo muito alto de bebida energética à base de erva-mate. Então eu sempre comento para todo mundo que está interessado, colocar lá no Google “bebida energética de erva-mate”. Vai aparecer um monte de marcas que a gente chega até ficar assustado. A gente fala: meu Deus, de onde brotou tanta marca de bebida assim? E na Europa também se usa muita bebida energética à base de erva-mate. No Brasil já tem umas quatro, cinco marcas que já estão trabalhando, então isso é muito legal.
Tem pessoas que estão olhando esse novo horizonte, e o mais engraçado é que muitas vezes não são pessoas do setor. São pessoas que estão antenadas no mercado e estão entrando no setor de erva-mate. E a parte de chá de infusão também é uma coisa que está em alta. Inclusive nós temos uma amiga do Rio Grande do Sul, a Juliana, que acabou de ganhar um prêmio na França por fazer um chá de mate diferente, chama Black Mate, que é muito bacana. Então essa parte de chá de infusão que se usa muito na Ásia e também na Europa tem muita gente apostando nisso, coisas que a gente não vê por aqui. É por isso que é importante as pessoas sempre estarem antenadas nesse tipo de seminário.
JOC: O mercado da erva-mate é muito amplo, vai muito além do chimarrão.
NV: A gente está muito mal acostumado. Essa é a verdade. Não só nossos produtores, como a indústria, porque o chimarrão é uma coisa que vai, né? De 90 a 95% do que a gente produz vira chimarrão. Mas eu acho que está na hora de nós aqui, principalmente no Vale do Iguaçu, começarmos a abrir novos horizontes. Porque, volto a dizer, tudo que a gente vê de diferente, não é gente do setor que está fazendo. São pessoas de fora que olham e falam “opa, pera aí, tem um nicho aí”, e elas estão correndo atrás, estão investindo, estão botando dinheiro e estão fazendo a coisa acontecer. Então fica aquele dever de casa para a gente: porque nós, o setor, dentro de casa, a gente também não começa a olhar para novos horizontes? A gente já tem uma galera fazendo um trabalho bacana aqui em União da Vitória, em São Mateus do Sul. Mas ainda é muito pouco perto do que a gente tem do tamanho expressivo aqui na região.
JOC: Você também foi palestrante, mostrando no seminário o destaque da nossa região no ramo da erva-mate. Fale um pouco sobre essa experiência.
NV: Eu gosto sempre de deixar evidente, porque o Paraná é o maior produtor, e isso não tem o que discutir. Estão aí os dados oficiais. O Rio Grande do Sul não fica muito atrás, mas o Paraná é o maior produtor. E o nosso Vale do Iguaçu é o maior produtor do estado do Paraná. Hoje a gente responde por 62%, depois vem Guarapuava com 16% e a região de Irati, com 14%. Então, de longe, o Vale do Iguaçu é o maior produtor.
Bituruna é minha casa mãe, é ali onde eu sou produtor, é ali onde a gente tem nossa Associação Biturunense de Erva-Mate. Só ali na associação a gente cuida de mais ou menos quase sete mil hectares de áreas produtivas. Então a gente tem feito um trabalho muito bacana por lá. Mas não é só lá. São Mateus do Sul tem feito um trabalho bacana, União da Vitória também, Cruz Machado também está com os projetos bem bacanas. Agora, a gente tem que ar a valorizar mais a nossa região e se destacar mais. Todo mundo já sabe que nós somos os maiores produtores, as melhores indústrias do Brasil estão aqui no Vale do Iguaçu. A gente tem que aproveitar e usar essa ferramenta a nosso favor.
JOC: Na região, qual é o maior produtor de erva-mate?
NV: Nós temos dois tipos de dados, e aí começa a briga. Nós temos a nossa fonte de dados que é do Deral/Seab, que são dados oficiais e bem monitorados, nesse, Cruz Machado aparece em primeiro lugar. Porém, quando a gente usa os dados federais, do IBGE, que é discutível, a gente tá discutindo isso na Câmara Setorial, porque eu participo da Câmara Setorial Nacional da Erva-Mate, que é a maior instância nacional da Erva-Mate, estamos tentando junto ao IBGE melhorar essa forma de captação de dados que dentro do IBGE não está legal, não está funcionando direito ainda.
Então a gente tem o conflito de dois dados. Quando se puxa no IBGE aparece São Mateus do Sul, e quando puxa o Deral/Seab do estado do Paraná, que é o que a gente mais confia, aparece Cruz Machado. E a gente que está no dia-a-dia a gente sabe. Cruz Machado produz muito volume, é disparado.
JOC: Qual característica da nossa região faz com que seja propício o cultivo da erva-mate?
NV: É o sombreamento e o solo. Mas eu não gosto muito de falar de solo, porque quando a gente fala de solo a gente está falando de terroir. Então, do mesmo jeito que você tem uvas boas no Rio Grande do Sul, você tem o casca dura em Bituruna. Queijos em várias regiões também têm estilos diferentes, digamos assim, de origem diferente. E na erva-mate também é assim. Então, quando você compara a nossa erva com Canoinha, com regiões mais longínquas do que a nossa, obviamente que você vai ter uma questão sensorial diferente. Isso muito pode estar atrelado à questão do solo. Mas o que chama mais a nossa atenção é a questão do sombreamento, né? Que isso dá um gosto melhor pro chimarrão. E tem a questão sustentável. De fato, a gente anda no Rio Grande do Sul, a gente anda em outros lugares, e não tem mais florestas, não tem. Eu ando nesse Brasil inteiro e pode ter uma reserva ou outra, mas igual a gente tem aqui no nosso Vale do Iguaçu, não tem. Então, eu acho que esse é o nosso maior apelo. Além de ter uma planta sustentável, um solo que ajuda, a gente tem a questão da floresta. Esse é o nosso maior apelo, porque os outros podem até ter, mas não na grandeza que a gente tem por aqui.
JOC: Nos fale um pouco sobre o mercado da erva-mate, as diferenças entre a verde e a amarela, tipos de moagem.
NV: A gente trabalha com a exportação e o mercado interno, e dia desses me perguntaram sobre a questão da erva, e eu falei assim: a princípio existem vários tipos de mercado. E a pergunta que fizeram para mim tocou na erva amarela, se isso significa que ela estragou eu falei não, não estraga. A erva nunca estraga, né? Se ela é amarela é por conta de oxigenação. Então, se ela está ali em exposição ao sol, com pote aberto, ela vai se oxidar e vai ficar amarela.
Para explicar a diferença, no Brasil, a gente gosta do mate verdinho, se amarelou o pessoal joga fora. Já na Argentina, no Uruguai, no Paraguai e outros países se toma o estacionado, que é a erva amarelada. Então, se você chegar, por exemplo, com um mate verde no Uruguai eles não vão querer, eles vão querer jogar fora e dizer “não, eu não quero isso aí, tem que ser estacionado”. Eu sempre faço uma comparação: tem gente que gosta de tomar cerveja fraca, aguada, e tem gente que gosta de tomar cerveja forte. E o mate é a mesma coisa. Então você tem desde a verdinha até amarelada, que é estacionar. É como se fosse um vinho ou uma cachaça. Quanto mais você deixar ela guardada, mais ela vai ficar encorpada. Por isso que tem gente que toma um mate uruguaio, argentino e fala meu Deus, como é forte esse mate. São paladares diferentes.
E também do chimarrão você tem vários tipos de moagem. Você tem a moagem fininha. Hoje está se tomando muito pura folha, que são folhas maiores. Por exemplo, o pessoal que tem preguiça de fazer aquele mate igual o gaúcho, que fica entupindo a bomba, o pessoal já está comprando a folha moída grossa, que aí não entope. Hoje você tem um leque gigantesco desse tipo de moagem de erva-mate. Você tem da verdinha para a amarela, e você tem vários tipos de granulometria, da fina até a grossa.
JOC: O tipo de moagem muda o sabor da erva-mate?
NV: Pode mudar, porque quando você a por moagem você está liberando componentes químicos, e isso pode intensificar [o sabor] ou você pode perder, depende de cada processo. Você tem um processo de tostagem que às vezes acaba perdendo alguma coisa, mas ganhando outras. Tudo é paladar, e paladar vai do gosto de cada tomador de erva-mate.
JOC: Qual é a maneira correta de armazenar erva-mate?
NV: Eu aprendi com os gaúchos:pote fechado e geladeira. Pode guardar dentro do armário, ele vai se manter, mas na geladeira é imbatível. Se botou no pote e na geladeira, olha, às vezes, fica mais de um mês verdinha dentro da geladeira, é impressionante. Eu ainda preciso aprender qual é a reação química. Eu sei que tem a questão da oxigenação, mas acredito que seja por conta da claridade, que isso preserva bastante por estar dentro da geladeira, no escurinho.
JOC: Como alguém interessado pode entrar em contato com o Cogemate?
NV: A gente tem o nosso site, né? Que é o www.cogemate.org, ali tem telefone para contato, o email é [email protected]. E a gente trabalha muito ali no escritório da Amsulpar, que fica encima do escritório da Aceuv, aqui em União da Vitória. Então qualquer um que quiser nos procurar, trazer uma demanda, a gente vai levar para a diretoria, a gente vai estudar e a gente vai aprofundar a necessidade da pessoa. Mas se for uma questão particular, do produtor ou da indústria, aí a gente direciona para os consultores e profissionais especializados naquele segmento que ele precisa.